quinta-feira, 3 de março de 2011

o facebook e a nova geração

"Os criadores de mundos, de redes sociais, partem sempre de uma mesma pergunta: COMO eu consigo isso? A Zuckerberg, a outra questão, a questão de ordem ética, só lhe ocorreria mais tarde: Por quê? Por que o Facebook? Por que nesse formato? Por que dessa maneira, e não de outra?
Ao contrário do que parecem pregar tantos web-teóricos de plantão, as redes sociais não foram criadas com intenções humanísticas, filantrópicas, democráticas. A meta de Zuckerberg, por exemplo, ao que tudo indica, é a própria conexão. A qualidade da conexão, a qualidade da informação que passa por ela, a qualidade das relações que essa conexão permite – nada disso é importante. Zuckerberg, para dizer o mínimo, se mostra pouco interessado pelas questões filosóficas relacionadas à privacidade – e a própria integração social – suscitadas por seu engenhoso programa.
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Assistindo a entrevistas com Zuckerberg, me surpreendi à espera da presença de espírito, do sarcasmo contido e articulado do jovem e famoso Zuckerberg, mas então me lembrei que conhecia apenas a criação do filme. Comedido mas maçante, claro e despojado, mas sem nenhum brilho maior, desprovido de ideologia ou afeto.
Em seu perfil publicado pela New Yorker, lê-se que sua própria página do Facebook relaciona, entre seus interesses, o minimalismo, as revoluções, e a “eliminação do desejo”. Sim, Zuckerberg, com suas relação estável, sua casa alugada e sua recusa em se mostrar irritado diante das câmeras de tevê, mesmo quando tratado com extrema grosseria (nesses casos, limita-se a suar), tem algo da aparência de uma adolescente estóico.
Bom, se você elimina o desejo, não tem mais nada a esconder, não é?
Sim, é esse tipo de rapaz que acha uma boa idéia REDUZIR a privacidade das pessoas.
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O Facebook Connect é o próximo passo da plataforma Facebook.
O que penso a respeito? Por um lado, se nosso nome e nossa rede social nos acompanham por todo o mundo virtual para além do Facebook, cada um de nós precisará lançar mão de uma certa compostura, assim como todos os circunstantes.
Por outro lado, também levaremos para todo lado a lista de coisas de que gostamos ou não, nossas preferências e nossas escolhas, todas associadas aos nossos nomes. A partir disso irão tentar vender coisas para nós.
Ou talvez toda a internet fique parecida com o Facebook: falsamente alegre, falsamente amistosa, voltada principalmente para a autopromoção e engenhosamente dissimulada.
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Será realmente isso o melhor que se pode fazer na web? No filme “A rede social”, Sean Parker, durante uma de suas “maratonas de monólogo” alimentadas a cocaína, tenta definir toda uma geração: “Vivíamos no campo, fomos viver nas cidades e agora vamos viver na internet.”
De que tipo de vida estamos falando?
O cientista da computação Jaron Lanier afirma que “você precisa ser alguém antes, para poder se compartilhar”. Para Zuckerberg, porém, ser alguém JÁ É compartilhar suas preferências com todo mundo e fazer o que todos estiverem fazendo.
Aham: as identidades despojadas que assumimos na rede não mostram mais liberdade.
Com o Facebook, Zuckergerg parece ter tentado criar algo semelhante a uma noosfera. Uma realidade dominada por um pensamento único, um ambiente uniforme em que na verdade não importa quem a pessoa seja, contanto que continue a fazer suas “escolhas” (as quais, em última análise, se traduzem em decisões de compra).
Para nós mesmos, somos pessoais especiais, o que está devidamente documentado em fotos maravilhosas. Para os anunciantes, somos nossa capacidade de compra, anexada a algumas fotos pessoais totalmente irrelevantes.
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O Facebook poderia ser um grande marco se fosse uma interface realmente interessante, criada para acolher os jovens 2.0 que são genuinamente diferentes. Só que isso não é o que acontece. O que vemos é o mesmo velho faroeste da internet, só que domesticado para se ajustar às fantasias de almas medianas, massificadas, com humor homogeneizado e, tal como Zuckerberg, sem brilho.
É. Talvez eu esteja exagerando na nostalgia, sonhando com uma internet que atenda os interesses de um tipo de pessoa que não existe mais. Uma pessoa reservada, que seja um mistério para o mundo e – principalmente – para si mesma."

Adaptado de:
SMITH, Zadie. Quero ficar na geração 1.0. In: Revista Piauí. fevereiro de 2011.

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