sábado, 2 de outubro de 2010

descargamiento 8

Talvez ela saiba que estou sonhando...
Talvez tenha descoberto no timbre da minha voz
No meu olhar, no movimento trágico dos meus braços
Uma anunciação de sonho, mas para dias depois, hoje
Como quando os meteorologistas medem a umidade do ar
A temperatura do mar, fotografam o trânsito das nuvens,
E detectam a chegada de uma frente fria
Apenas para daqui a uma semana.
Sim, talvez ela me tenha visto e previsto
Depois de entrar atordoado na livraria
E sorrir para ela
Num desespero que se confundiu com êxtase, com uma felicidade
por vê-la
empilhando livros...
E com uma palpitação, um receio
De que ela reparasse na nódoa na minha camisa
E me achasse ridículo.
Mas talvez a nódoa que ela esfrega esta noite
De molho de tomate no uniforme do trabalho
- Ela custa a sumir, mesmo sob a luz escassa da área de serviço -
A faça recordar o pobre homem que na terça-feira entrou na livraria
Procurando um autor que ela desconhecia, que ela não tinha
E que tratou de buscar na biblioteca municipal
E encontrar
E carregar pra casa
Em dois romances e um estudo comentado.
Então a vejo, entre as bolhas de sabão,
Sim, talvez entre um gole ou outro de vinho barato
Com o peito molhado e os cabelos ainda presos
Tentando preencher o tempo vazio com cansaço
Até a hora de dormir.
Eu imagino a moça
Com os olhos vermelhos, doloridos, empolvados
Desejando pra mim uma vida desimportante
Suficientemente desimportante
Pra fazer sentido eu me abrir pra sua:
Lhe manchar a blusa de sangue.
Me manchar a camisa de rouge.
E decido ir busca-la, amanhã,
Pedir um café, abrir o jornal
Oferecer um sorriso novo, desta vez mais confiante
Dedicar-lhe uma voz firme, para consultar-lhe os lançamentos
E parecer um tolo completo, aos olhos das colegas de trabalho
Que são mais lindas e mais espertas do que ela
Mas que têm vidas completas.

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