sábado, 2 de outubro de 2010

descargamiento 4

há o cheiro de laranja podre vindo dos armazéns do porto,
há um cheiro de sal e de óleo.
há a fila de luxuosos transatlânticos
o navio inglês na capa do jornal do dia
talvez um cheiro de imperial majesty
e o cheiro do óleo, o cheiro do óleo.

há as avenidas de paralelepípedos,
por onde vêm encher os containeres de equipamentos eletrônicos, gravatas de péssimo gosto, ursinhos de pelúcia.
há uma rua curta
por onde se exibem pescadas, manjubas, robalos, e um cação de um metro e meio de comprimento.
há a avenida lisinha da praia,
por onde transitam automóveis distraídos.
o cheiro de óleo
e o cheiro de peixes mortos.

indiferentes ao cheiro do óleo,
brincam crianças e pais
nos dias reservados pelo direito de família.
a grávida puxa sua avozinha pelo braço
com os tornozelos escondidos sob as ondas densas, oleosas.
um menino corre como um dardo
- eu o vejo e desejo e rio do meu desejo velho.

talvez a areia também tenha um cheiro
um cheiro que eu desconheço
ou um cheiro que eu invento

e eu penso em você,
em coisas pra lhe dizer
pra lhe convencer a ir comigo pro outro lado.
eu lhe veria meter-se na água
e voltar com um peixe enorme, laminado,
fedendo a caranguejo, a pepino-do-mar.
a sua boca fresca, pavorosa.

mas eu penso e meu pensar é mudo.
não tem pernas nem braços.
não caminha nem acena.
não há de lhe alcançar, não há de lhe agarrar nunca
cheira
o asfalto quente que recebe a chuva
o esgoto espumoso dos canais
o molho vermelho pras salsichas a um e noventa e nove
a sua ausência súbita.

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