segunda-feira, 14 de março de 2011

o intérprete de Château Meguru

Salomón Toledano se gabava de falar 12 línguas e poder interpretar todas elas em ambas as direções. Geralmente traduzia para o inglês, mas quando era preciso também o fazia para o francês, espanhol e outros idiomas, e sempre me maravilhou a fluidez com que se expressava na minha língua sem nunca ter morado num país de fala hispânica. O mais extraordinário era ouvi-lo falar em chinês ou japonês, porque então, sem perceber, fazia poses, mesuras e gestos dos orientais, como um verdadeiro camaleão.

Todo mundo o admirava e invejava, mas poucos dos nossos colegas gostavam dele. Ficavam incomodados com sua loquacidade, sua falta de tato, suas criancices e avidez com que monopolizava as conversas. Um dia, na sala de intérpretes da Unesco, resolveu nos interpelar assim: “E se, de repente, sentirmos que vamos morrer e nos perguntarmos ‘Que rastro deixaremos de nossa passagem por este canil?’, a resposta honesta seria: nenhum, não fizemos nada, além de falar pelos outros. O que significa, então, ter traduzido milhões de palavras se não nos lembramos de nenhuma, porque nenhuma merecia ser lembrada?”

Falava de maneira espalhafatosa e às vezes vulgar, porque, embora soubesse as generalidades dos idiomas, desconhecia os matizes, tons e usos locais, o que muitas vezes o fazia parecer tosco ou grosseiro. Não era um homem de muitas leituras, exceto gramáticas e dicionários, nem tinha grande interesse por cultura. O contrário da minha suposição de que as pessoas se tornam poliglotas devido ao seu bom ouvido musical, Salomón Toledano também não tinha o menor interesse por música. No seu apartamento em Neuilly não vi sequer um toca-discos.

Graças a ele descobri que a predisposição para idiomas é tão misteriosa como a de certas pessoas para a matemática ou a música, e não tem nada a ver com a inteligência ou o conhecimento. É uma coisa diferente, um dom que alguns possuem e outros não.

VARGAS LLOSA, Mario. Travessuras da menina má. Rio: Objetiva, 2006.

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